Enquanto os EUA e seus aliados condenam o “excesso de
capacidade” industrial da China e reagem com medidas restritivas e sobretaxas,
aqueles que estreitam vínculos com a “fábrica do mundo” estão recebendo uma
ajuda em seus esforços para domar a inflação.
Os preços ao produtor na China caíram 1,4% ao ano em maio,
marcando o 20º mês seguido de declínio, segundo dados oficiais divulgados
ontem. É a maior sequência desde o período de 2012 a 2016. Esses preços mais
baixos estão repercutindo no exterior - os embarques aumentaram, enquanto os
preços das exportações caíram 14% desde o começo de 2013.
Os preços baixos estão diminuindo margens de lucro dos
fabricantes chineses e alimentando as tensões comerciais com os EUA e outros
países, mas também estão ajudando os bancos centrais de muitos países
emergentes a conter as pressões inflacionárias. As economias que mais se
beneficiam são aquelas que dependem mais fortemente de produtos chineses,
especialmente de bens ligados ao mercado da construção, que tiveram as maiores
quedas de preços.
“Essa questão desinflacionária é uma faca de dois gumes. Por
um lado, os países poderão valorizar o efeito desinflacionário porque estão
tentando controlar a própria inflação”, diz Steven Kamin, pesquisador do
American Enterprise Institute e ex-diretor do Federal Reserve (Fed, o banco
central dos EUA). “Mas a penetração das importações chinesas leva a uma enorme
reação política.”
Kamin escreveu um artigo no Fed alguns anos após a China ter
ingressado na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, mostrando uma
ligação entre a deflação global e as exportações baratas da China. O efeito só
aumentou desde então, diz ele.
E essa tendência não deverá mudar tão cedo. A China está
presa num período de deflação - os preços ao consumidor subiram apenas 0,3% ao
ano em maio - em meio à fraca demanda local e uma crise no mercado imobiliário,
o que deixa as autoridades dependentes de vendas fortes no exterior para
cumprir suas metas de crescimento. E a composição de seus clientes está
mudando.
As vendas da China para as economias avançadas representaram
cerca de 56% do total em 2023, abaixo de 63% uma década atrás, com a proporção
para os EUA caindo de 20% para 13% no período, segundo cálculos da Bloomberg
baseados em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Os preços de importação e os preços ao produtor dos
mercados emergentes estão correlacionados aos preços de exportação da China”,
escreveu Tatiana Orlova, da consultoria Oxford Economics, em nota a
investidores em abril. “Acreditamos que a deflação dos preços das exportações
chinesas fornecerá um impulso no esforço para levar a inflação de volta à meta
nos países emergentes.”
Ela diz que Rússia, Indonésia e Cazaquistão estão entre
aqueles que “se beneficiarão mais da influência desinflacionária das
importações chinesas mais baratas”.
A degradação do setor imobiliário da China e a redução do
apetite por produtos que vão do vidro ao aço levou os fabricantes a caçar
clientes em outros países. Na Indonésia, por exemplo, os importadores estão
conseguindo comprar máquinas mais baratas e em maior quantidade. A situação é
parecida para os compradores de vidro chinês no Vietnã.
Enquanto alguns mercados emergentes se beneficiam desses
preços mais baixos, a inflação continua persistente nos EUA e Europa, onde os
governos aumentam as medidas protecionistas contra a inundação de produtos da
China.
Depois de um aquecimento nos preços no início do ano, a
inflação nos EUA desacelerou em maio pelo segundo mês seguido, de acordo com
dados oficiais também divulgados ontem. A tendência, caso se mantenha, pode
levar o Fed a ficar mais perto de cortar sua taxa de juro, hoje no maior
patamar em 23 anos. Em maio, o núcleo do índice de preços ao consumidor, que
exclui os custos dos alimentos e da energia, mais voláteis, subiu 0,2% no mês,
com uma alta de 3,4% na comparação anual, resultado que ficou abaixo dos 3,6%
de abril e das expectativas dos analistas.
Fonte: Associated Press
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 13/06/2024