
Os Estados Unidos abriram seis investigações contra três
produtos brasileiros recentemente, numa sinalização de que o apetite para frear
importações e proteger a indústria americana tende a continuar forte em
Washington, seja quem for o próximo presidente a ocupar a Casa Branca.
Na semana passada, no auge da campanha eleitoral para a
presidência, o US International Trade Commision (USITC) deflagrou duas
investigações (dumping e subsídio) contra cápsula dura vazia exportada pelo
Brasil sob alegação de causar prejuizos a produtores americanos.
No dia 18 deste mês, o órgão votou a favor de continuar duas
investigações para sobretaxar produtos de aço resistentes à corroção
originários do Brasil, igualmente sob a alegação de que seriam ‘vendidos abaixo
do valor de mercado e subsidiados’ pelo governo brasileiro.
No fim de junho, Washington aprovara as investigações
(dumping e subsídio) finais para sobretaxar a entrada de ferro silicio do
Brasil e alguns outros países.
Essas são as novas investigações, com o potencial de afetar
rapidamente as vendas, pelas incertezas que deflagram entre os operadores.
Os EUA já aplicam atualmente contra o Brasil 13 medidas
antidumping ou antisubsídio, ou seja, taxação adicional, focando vários
produtos siderúrgicos, papel não revestido, mel natural e suco de limão.
Aluisio Campos, professor de comércio na American
University, em Washington, vê uma ‘curva ascendente’’ de defesa comercial
americana em geral, seja quem for o próximo presidente dos EUA. Para ele, ‘com
a situação econômica apertando, as empresas começam a olhar mais de perto os
preços do produto estrangeiro que fica muito mais barato, e isso aumenta os
casos''.
Os EUA registram com o Brasil um dos poucos superavits em
sua balança comercial. Havia expectativa do lado brasileiro de enfim alcançar
superavit neste ano, mas entre janeiro e setembro amargou mais uma vez deficit,
agora menor, de US$ 1,2 bilhão num volume de comércio (exportações e
importações) de US$ 60,1 bilhões no período.
De maneira geral, as políticas e as ferramentas comerciais
estão sendo usadas não apenas para tratar de problemas relacionados ao
comércio, mas também para tentar resolver preocupações geopolíticas e de
segurança.
Donald Trump não cessa de ameaçar com imposição de tarifas
elevadas a todos os países, as mais punitivas reservadas para a China, para
aumentar o custo dos produtos estrangeiros e tentar reordenar as cadeias de
suprimentos globais.
Segundo o jornal New York Times, as tarifas previstas pela
equipe de Trump atingiriam quase todas as importações dos EUA, mais de US$ 3
trilhões em mercadorias.
A onda protecionista está se ampliando perigosamente,
conforme dados da Organização Mundial do Comércio (OMC): mais de 130 novas
medidas de restrição ao comércio foram registradas pela entidade desde o início
deste ano.
Isso representa um aumento de 8% no estoque de mais de 1.600
medidas restritivas introduzidas entre 2009 e 2023, que, no ano passado, já
estavam afetando mais de 10% do comércio mundial de mercadorias.
Além disso, os membros da OMC iniciaram 210 investigações de
medidas de defesa comercial ou ' corretivas comerciais' no primeiro semestre
deste ano - quase o mesmo número de investigações de todo o ano de 2023. Embora
nem todas culminem na imposição de tarifas, as investigações têm um efeito
inibidor bem documentado sobre o comércio.
Isso tudo é sem falar da onda de subsídios bilionários
praticada por vários países, incluindo os EUA e a China, que distorcem as
trocas comerciais.
Na medida em que as medidas unilaterais ou suas ameaças se
tornam cada vez mais generalizadas, a política comercial fica mais restritiva.
Os atritos estão se manifestando como disputas comerciais.
Seis das oito disputas da OMC iniciadas este ano tratam de
tecnologias verdes, especialmente veículos elétricos. Mas o Órgão de Apelação
da OMC está inoperante, por causa do bloqueio dos EUA. Como no antigo governo
Trump, o governo de Joe Biden também apostou na paralisia do sistema para
seguir em ações unilaterais, em meio ao temor com a China.
Nos últimos meses, os EUA, a União Europeia, a Turquia e o
Canadá introduziram novas tarifas e direitos compensatórios sobre os veículos
elétricos chineses e outros produtos, inclusive o aço. A China contra-atacou
com disputas na OMC e medidas contra produtos da UE, como laticínios, carne
suina e conhaque.
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, constata
resignada que ‘estamos vivendo em tempos conturbados’. Na verdade, no que diz
respeito ao comércio, ‘os tempos não são apenas conturbados, são tensos’, disse
ela recentemente em palestra no FMI, segundo participantes.
Para Ngoki, ‘às vezes, o comércio é responsabilizado e
apontado como bode expiatório por resultados ruins que, na verdade, derivam de
políticas macroeconômicas, tecnológicas ou sociais pelas quais o comércio não é
responsável’.
Ela disse esperar que ‘não estejamos em um caminho que nos
leve de volta ao tipo de desordem econômica que existia antes de Bretton Woods,
desordem que foi seguida por extremismo político e guerra’.
Lembrou que foi justamente para evitar a repetição dessa
situação que as instituições econômicas multilaterais foram criadas. E sua
preocupação hoje é que o mundo tenha esquecido essa lição.
‘Abandonar o legado de Bretton Woods, inclusive o sistema de
comércio, diminuiria a capacidade do mundo, coletivamente e em nível nacional,
de responder aos problemas que afetam a vida e as oportunidades das pessoas’,
completou ela, segundo um participante.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 31/10/2024