
O governo Lula multiplica a busca por aproximação econômica
com o governo Trump, ao mesmo tempo em que em Pequim o presidente qualifica de
“indestrutível” a relação bilateral com a China.
No começo do mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em
viagem à Califórnia, destacou a mensagem do interesse brasileiro em aprofundar
a cooperação bilateral com os EUA, em meio ao choque tarifário trumpista que
causa incertezas no país e globalmente.
Agora foi a vez de a secretária de Comércio Exterior do
MDIC, Tatiana Prazeres, com uma delegação do setor privado, sinalizar em
Washington a importância que Brasília dá para os dois lados construírem uma
agenda positiva nesse ‘cenário desafiador’.
‘De maneira geral, o Brasil não é problema comercial para os
EUA, e sim (garantia) de relação comercial sólida’, afirmou a secretária em
conversa com a coluna. ‘Há desafios importantes, mas (também) uma agenda
positiva e espaço para aproximação'’.
Tatiana Prazeres destacou uma agenda de cooperação com
potencial para Washington e Brasília, apesar das dificuldades atuais.
Primeiro, no setor de energia, incluindo desde etanol,
petróleo e gás natural.
Segundo, em questões regulatórias que interessam aos dois
lados, como propriedade intelectual.
Terceiro, nas cadeias de suprimento, desde semicondutores,
fertilizantes, equipamentos médicos.
Além disso, é destacado o potencial na área de centros de
dados. A nova política brasileira de data centers quer atrair big techs
americanas com medidas, por exemplo, como desoneração de 100% dos tributos
federais sobre investimentos feitos pelo setor, como acenou Haddad na
Califórnia.
A secretária de Comércio Exterior aponta também a
importância na agenda para cooperação em ‘minerais críticos nas condições
corretas’. Ou seja, ‘não é qualquer tipo de cooperação que nos interessa. É
importante valorizar a capacidade de processamento no país, o que não é
incompatível com os americanos em fornecimento confiável’.
Não está claro que tipo de entendimento entre governos será
possível em minerais críticos. Mas a constatação é de que há oportunidades,
desde que envolva transformação, processamento, agregação de valor. A Camara de
Comércio Brasil-EUA vê uma agenda que pode trazer frutos nessa área.
A delegação tinha também os presidentes da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas
e Equipamentos (Abimaq), Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) e
representantes de várias empresas. Do lado americano, representantes da Agência
de Representação Comercial (USTR), Departamento de Estado e Departamento de
Energia.
Com o USTR, a delegação brasileira transmitiu a mensagem de
que o governo e o setor privado estão unidos nessa visão e valorizar a relação
bilateral. Trata-se de 'encontrar caminho em rota de oportunidade, mais do que
na rota de risco’, observou o representante do setor têxtil, Fernando Pimentel.
O setor têxtil tem conversas com o setor privado americano ‘para construir uma
estratégia adequada para colocar na mesa dos dirigentes norte americanos’.
Especificamente sobre as tarifas, as discussões entre o
Brasil e os EUA ocorrem em dois grupos de trabalho. O primeiro trata dos
desafios das tarifas recíprocas. O Brasil foi atingido com a menor alíquota
possível, de 10%. E o que se escuta em Washington é de que essa taxa de 10%
passou a ser a base para fazer negócios com os EUA. As empresas precisam
incorporá-la como novos custos para os negócios.
O segundo grupo de discussão envolve as tarifas impostas com
base em segurança nacional pela seção 232 do ‘Trade Expansion Act’. Atinge aço
e aluminio, e tem investigações em curso que podem afetar exportações de
madeira, celulose, produtos farmacêuticos. As discussões sobre a demanda
brasileira para obter o restabelecimento pelo menos de quotas para suas
exportações de aço semi acabado estão ‘fluindo’.
O que ninguém ignora é a tática dos EUA, de dar exceções a
parceiros desde que recebam o céu e as estrelas como contrapartida.
A secretária de Comércio Exterior manifestou em Washington a
preocupação brasileira com a possibilidade de acordos bilaterais dos EUA
colocarem terceiros países em posição de desvantagem. Não está claro ainda como
o Reino Unido obterá quota para sua exportação de aço, por exemplo. A
negociação brasileira tem por objetivo assim também garantir que o país tenha
evidentemente melhor tratamento, com uma agenda geral economico-comercial que
aproxime mais os dois lados.
De seu lado, o enviado especial do governo Trump para a
América Latina, Mauricio Claver-Carone, sinaliza que Washington quer o Brasil
escolhendo lado. Com o Valor publica hoje, Carone considera que a relação
brasileira com a China deve ser um jogo com soma zero, e por isso o Brasil
deveria priorizar os laços comerciais e de investimentos que mantém com os
Estados Unidos.
Mas ontem, em entrevista ao UOL, o ministro Fernando Haddad
voltou a frisar que o Brasil não vai escolher entre China e EUA, porque ambos
os países são importantes para a economia brasileira.
Hoje, em Pequim, ao falar no IV Fórum CELAC-China, o
presidente Lula reiterou que ‘nossa vocação é ser um dos eixos de uma ordem
multipolar, na qual o Sul Global esteja devidamente representado’.
Mais adiante, acrescentou: ‘O futuro da América Latina
depende do nosso comportamento, da análise justa do que aconteceu no século XX,
onde nós avançamos, e onde nós retrocedemos, para que a gente compreenda de uma
vez por todas: Não há saída para nenhum país individualmente’.
‘Nós temos 500 anos de histórias que provam isso. Ou nós nos
juntamos entre nós, e procuramos parceiros que queiram, junto conosco,
construir um mundo compartilhado, ou a América Latina tende a continuar sendo
uma região que representa a pobreza no mundo de hoje’, acrescentou.
‘É importante que a gente compreenda. Não depende de ninguém.
Não depende do presidente Xi Jinping. Não depende dos Estados Unidos. Não
depende da União Europeia. Depende, pura e simplesmente, se a gente quer ser
grande ou a gente quer continuar pequeno’, completou Lula.
Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 14/05/2025